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A província da Beira Alta vista em 1916

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Um pastor beirão A Beira Alta “Conheceis a Beira Alta ? É uma fértil província, portuguesa de lei, que vê, a leste, a Serra da Estrela , com as suas neves; a oeste, o Caramulo , com a sua tristeza; e ao sul, o Buçaco, de gloriosa memória e de mística tradição. É acidentado o solo, sucedendo-se às pequenas ondulações de terreno as colinas, os cerros e os montes, separados uns dos outros por quebradas e valeiros, onde sussurram as águas caídas das alturas. As cumeadas ou são vestidas de urzes e ásperos tojos, ou são toucadas com a rama verde-negra dos pinheiros. Mas tão rica de seiva é toda a terra, que nos lugares em que o machado debastou o pinhal, vedes logo aparecer a leira verdejante, que irá escorregando pela encosta até se casar com a farta cultura dos vales. Aos soutos dos castanheiros de carcomido tronco, e aos pinhais e carvalhedos, segue-se aqui, o rico plaino animado pelo ribeiro e pelo moinho ruidoso, ali, a avinhar a espreguiçar-se na encosta; mais acima, e lo

Máquina de costura (de brincar)

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Máquina de costura (de brincar) Como se tem dito em outros momentos, os meninos brincam desde que nascem: com as mãos, com os pés, com a mama, com o que calha; para crescerem interiormente, para viverem em equilíbrio físico e psicológico. Com o tempo, vão-se definindo os gostos pelos brinquedos e pelas brincadeiras, em função das caraterísticas culturais, económicas, sociais de cada qual. Antigamente, mais do que hoje, o sexo também influía nos gostos individuais. A bola trapeira, a bilharda e o pião não poderiam ser jogos de meninas, que estas exigiam mais tranquilidade e sossego.   As pedrinhas, a macaca, o bate-e-foge cabiam melhor nos conceitos de então. E a preparação do futuro também: as bonecas de trapos, os jantarinhos com o arroz-dos-telhados e as folhas de oliveira, as panelas e mobílias de bugalhos, os trabalhos de costura fundamentais na vida de todos os dias. Ao tempo, os brinquedos de menino não se compravam – faziam-se, que os materiais abundavam, viviam ali se

A caixa das luvas

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Desde que o homem é homem as mãos constituem elemento de alta importância na sua vida. Com elas - manobrou cacetes para defesa das feras, - fabricou e usou ferramentas de pedra, - amassou barros, fabricou adobes, construiu casas, agricultou terrenos, - produziu redes, manobrou remos, conduziu barcos... E, estas mãos, calejadas, nodosas, sapudas, feias, de pele espessa e gretada de tantas e tantas e tão úteis utilizações, também acariciaram rostos femininos, afagaram corpos roliços, quentes e desejados, procuraram bebés dentro de barrigas prenhes de mães orgulhosas. Abençoadas mãos. Do outro lado, mãos pequeninas, de pele fininha, todos os dias a caminho da escola, saca ao ombro recheada com o livro de leitura e cadernos de folhas lisas para o desenho, pautadas para as cópias e ditados, de pauta dupla para o aperfeiçoamento da caligrafia, tudo relacionado com a “ caneta de molhar ” em tinteiro de louça branca, enfiado em buraco específico do tampo da carteira escolar.

O ovo de coser as meias

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O ovo de coser as meias O calçado caraterístico do povo português, no passado, era o pé-descalço. A proteção dos pés com botas, chancas, socos, abarcas, tamancos, galochas, nem sempre foi possível. As razões económicas marcaram a vida; a falta de “posses” arredou o calçado. Calcorreando caminhos de montes e vales, sempre de pés nus, desde criança, determinaram a criação de calçado natural de pele dura e resistente como sola de Alcanena. Para quê, então, as meias? Usavam-nas as pessoas de mais teres, que os pés mais “finos” as exigiam para uma vida feliz a três: os pés, as meias e o calçado, poucas vezes com rastos de pau, muitas vezes de borracha, mais ainda de sola; por cima, a pele, na flor ou no carnaz, para se engraxar ou para ensebar. As meias de algodão ou de lã, segundo a estação do uso, iam apresentando mazelas, especialmente, no sítio do dedo grande, do calcanhar ou de qualquer outro onde um preguito a espreitar do calçado ia fazendo das suas, esburacando o tecido.

ABC do Folclore – Manual de Iniciação (5)

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«A refeição» (»Cliché» de Homero Câncio. Alhandra)   As diferenças Embalados pelo aforismo “ cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso ”, há ainda quem não tenha concluído que o fronteiro terrestre nada têm a ver com as diferenças que nos caracterizam. Aliás era - e ainda é, por vezes - tanto o desprezo que o nosso folclore, a nossa cultura tradicional, mereciam dos pseudointelectuais cá do burgo, que os decisores da cultura não fizerem em tempo devido o que, na opinião de Aurélio Lopes seria o Atlas da Cultura Portuguesa . Concluindo, diga-se que essas diferenças são determinadas pelas “áreas culturais“ que são áreas territoriais em que a cultura tradicional apresenta caracteres suficientemente semelhantes para as considerarmos como um corpo cultural mais ou menos orgânico.  Para o que é principalmente determinante a interligação ambiente social/ambiente natural. Aliás, Aurélio Lopes considera que “ não há uma maneira de viver no Alentejo, diferente do Ribatejo, diferente

ABC do Folclore – Manual de Iniciação (4)

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«O Moleiro» Vila Chã - Beira Alta («Cliché» de Francisco Guilherme Lacombe Neves) Etnografia Desde sempre existe quem considere “etnografia” como sinónimo de “trajos usados no folclore”, e a Federação considera-a como a “ disciplina que descreve os povos/comunidades no que concerne aos seus usos, costumes, índole e cultura ”. Mas se há situações em que se respeitam diferentes conceitos, em meu entender estas não o são. Sendo o folclore “a expressão das vivências das gentes de antigamente, no tempo em que a sua vida ainda não era tão influenciada pelos usos costumes de outros povos”, a “etnografia” é única e precisamente “o estudo do folclore”, como aliás o citam diversos dicionários. Recordo-me que, procurando saber a visão que outros colegas destas andanças tinham de assuntos que considerava pouco clarificados, coloquei a seguinte questão: Se estiver um “grupo” a actuar, onde está o folclore e onde está a etnografia? E a resposta que me convenceu (Aurélio Lopes) foi: dep

ABC do Folclore – Manual de Iniciação (3)

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"No campo" («Cliché» de Homero Câncio, Alhandra) Com a leitura dos dois textos anteriores , ficou a saber “o que é folclore”, mas agora tem que saber a data em que o mesmo se fixou para evitar ser deturpado por outros valores. Vai ouvir muitas pessoas para comparar, sendo que tudo o que recolher tem que ser da mesma época. Entretanto o que deve ser um “grupo de folclore”? Digamos que um “museu vivo” dos tempos de antigamente, quando as comunidades eram a expressão do tradicional. Sem que haja uma data certa para todas as regiões, penso eu que o folclore deixou de evoluir como tal entre finais do século XIX, início do século XX, indo até mais ou menos aos anos 20/30 - conforme a chegada do progresso. Escolhido então o período que se pretende abranger, as primeiras questões que se nos colocam é saber como vestiam, o que cantavam, o que bailavam e como o faziam - o que depois vai estar interligado com muitas outras questões. Mas atenção que o “Folclore” não é apenas

ABC do Folclore – Manual de Iniciação (2)

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"Guardando o gado" - Vila Chã (Cliché do sr. Francisco Guilherme Lacombe Neves) Finalizámos o texto anterior , informando que já em 1878 o Folclore era reconhecido internacionalmente como “ saber tradicional, história não contada de um povo ”, primeiro para se referir às tradições, costumes e superstições das classes populares, posteriormente para designar toda a cultura nascida principalmente nessas classes. Temos assim, que “folclore” é a “cultura tradicional do povo”, cujo conceito havia que definir. E é nesse sentido que em Dezembro de 2002, por iniciativa do Jornal Folclore , se reúnem em Santarém especialistas e estudiosos na matéria, a fim de elaborar um texto que a todos servisse de orientação. E diga-se, porque de justiça, que o conceito saído dessa reunião merece a nota de excelente, mantendo-se ainda hoje inalterável. Agora, o que acontece ainda com o folclore, é que nada acontece por acontecer, há sempre uma razão para que aconteça. É proibido inventar

ABC do Folclore – Manual de Iniciação (1)

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“Costumes Portuguezes: Na volta do trabalho” (Cliché do sr. Miguel Monteiro, de Vila Real) ABC do Folclore Dizem-me que os jovens a partir da idade escolar estão a perder o interesse pelo Folclore , mesmo como espectadores. É um facto, sendo uma situação que tem de ser revertida, o que passa necessariamente pela escola. Concretamente não sei o que motiva tal desinteresse, mas penso que tudo mudará quando lhes for ensinado que o Folclore é a História dos nossos antepassados, quando as suas vivências ainda não estavam adulteradas por usos e costumes que nada tinham a ver com a sua maneira de ser e de estar. No caso de Montargil , os componentes do nosso grupo “representam” as vivências da nossa gente aí pelos anos 20/30. Claro que foi feita uma investigação etno-cultural, partindo do princípio que anteriormente as pessoas recebiam os “saberes” por via oral ou demonstração, fazendo depois como ouviam e viam fazer. Mas, nem sempre ao mesmo tempo, mas ao ritmo do progresso que c

O ferro de gaveta (ferro de engomar)

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Ferro de gaveta (ferro de engomar) O ferro de engomar ou, simplesmente, de passar, tem raízes muito profundas. Terá nascido na China, lá para o século VIII. Uma pequena taça ou bacia metálica recebia as brasas; uma pega permitia segurar e empurrar o aparelho sobre os tecidos, cumprindo a função de os alisar. O mais fácil de todos era constituído por uma base de ferro “triangular” e uma pega do mesmo metal. Aquecido sobre braseiro, exigia uma pegadeira de pano para proteção da mão e impunha aquecimentos sucessivos. Um dos mais frequentes pelo seu bom funcionamento, guardava as brasas no seu interior e dispunha de uma abertura em baixo e uma espécie de chaminé, em cima, criando-se, deste modo, uma movimentação do ar, que favorecia a combustão e a manutenção do ferro aceso e em bom funcionamento durante mais tempo. O ferro a álcool também foi utilizado, embora por famílias mais abastadas dado o superior custo do combustível. Utilizado apenas em momentos especiais, servia, adeq