A província da Beira Alta vista em 1916
Um pastor beirão |
A Beira Alta
“Conheceis a
Beira Alta?
É uma fértil
província, portuguesa de lei, que vê, a leste, a Serra da Estrela, com as suas
neves; a oeste, o Caramulo, com a sua tristeza; e ao sul, o Buçaco, de gloriosa
memória e de mística tradição.
É acidentado o
solo, sucedendo-se às pequenas ondulações de terreno as colinas, os cerros e os
montes, separados uns dos outros por quebradas e valeiros, onde sussurram as
águas caídas das alturas.
As cumeadas ou
são vestidas de urzes e ásperos tojos, ou são toucadas com a rama verde-negra
dos pinheiros.
Mas tão rica de
seiva é toda a terra, que nos lugares em que o machado debastou o pinhal, vedes
logo aparecer a leira verdejante, que irá escorregando pela encosta até se
casar com a farta cultura dos vales.
Aos soutos dos
castanheiros de carcomido tronco, e aos pinhais e carvalhedos, segue-se aqui, o
rico plaino animado pelo ribeiro e pelo moinho ruidoso, ali, a avinhar a
espreguiçar-se na encosta; mais acima, e longe e perto, a oliveira.
São tristes as
aldeias, porque o granito beirão mal desbastado e enegrecido, lhes dá a cor de
luto; e como elas, e como a oliveira, é triste o aspecto do país.
Na Beira Alta não há planuras…
Não há as
amplas planuras, em que a vista se deleita e se namora; nem os meandros da lisa
corrente a luzir em longa fita, por entre as folhas salgueirais; nem o alvejar de
muita casa branca, ao pendor das colinas; nem a laranjeira odorosa, enfileirada
em pomares extensos, que fora do vale de Besteiros, somente encontrareis como
benefício atavio da casa do lavrador.
Mas na altura,
no lugar vistoso, parecer-vos-á bem caiada a capela ou a igreja, meio escondida
detrás das folhas de castanheiros, de carvalhos e de oliveiras.
São a devota
alegria das povoações vizinhas; são a respeitada causa de festas e romagens, onde
o povo troca, por sincera alegria, o ar sério e grave, que lhe é habitual.
Na Beira vereis
a infância dos processos agrícolas; o homem a suar trabalhos, a mulher a lidar
no campo, e até as crianças empregadas no duro serviço que só é devido aos
braços.
Mas ao cair do
dia, vê-los-eis alegres e contentes, apesar da fadiga de tantas horas.
Descobrir-se-ão
diante de vós, e ouvi-los-eis dizer «Guarde-o Deus!» ou «Deus
o salve!».
Da torre
próxima da igreja descerá o toque das Avé-Marias, como bênção da tarde, que vem
de cima, e, enquanto vão caminhando silenciosos e recolhidos na breve oração,
só ouvireis as campainhas dos gados, que se recolhem ao redil.
E em tudo
vereis a crença e a força, o trabalho e a paz, e essa sã virilidade que é o
eterno louvor da natureza.”
Silva Gayo
Fonte:
"Revista de Turismo", nº5 – 1916 (texto editado e adaptado)