A caixa das luvas
Desde que o homem é homem as mãos constituem elemento de alta importância
na sua vida.
Com elas
- manobrou cacetes para defesa das feras,
- fabricou e usou ferramentas de pedra,
- amassou barros, fabricou adobes, construiu casas, agricultou
terrenos,
- produziu redes, manobrou remos, conduziu barcos...
E, estas mãos, calejadas, nodosas, sapudas, feias, de pele espessa
e gretada de tantas e tantas e tão úteis utilizações, também acariciaram rostos
femininos, afagaram corpos roliços, quentes e desejados, procuraram bebés
dentro de barrigas prenhes de mães orgulhosas.
Abençoadas mãos.
Do outro lado, mãos pequeninas, de pele fininha, todos os dias a
caminho da escola, saca ao ombro recheada com o livro de leitura e cadernos de
folhas lisas para o desenho, pautadas para as cópias e ditados, de pauta dupla
para o aperfeiçoamento da caligrafia, tudo relacionado com a “caneta de
molhar” em tinteiro de louça branca, enfiado em buraco específico do
tampo da carteira escolar.
E estas mãos femininas continuaram apenas realizando trabalhos especiais,
trabalhos de rendas e bordados para o enxoval – os paninhos para sobre alguns
móveis, os lençóis de linho para noivar – as toalhas de mesa e de altar.
A doçaria, a doçaria de raiz conventual, ocupava também
aquelas mãos privilegiadas, particularmente para dias assinalados.
Os fatos que vestiam os corpos destas mãos tão delicadas tinham
exigências próprias, satisfeitas em função do estatuto familiar.
E as mãos, de dedos tão fininhos quais lápis escolares, em
momentos solenes demandavam luvas que variavam segundo a circunstância: de
algodão, de renda, de algodão e renda, brancas, castanhas, beges ou cinzentas,
de pelica, pretas, castanhas ou brancas, curtas ou compridas até ao cotovelo.
A caixinha onde a proprietária guardava sua coleção de luvas, de
madeira nobre e decoração de prata, fechava, com dignidade, o circuito da
delicadeza feminina.