O traje tradicional da mulher do Caramulo
Postal edição "Cavalo Marinho", nº 413. Reprodução de aguarela de Alberto Sousa, datada de 1935 |
“A Etnografia (do grego έθνος, ethno - nação, povo e γράφειν, graphein - escrever) é por
excelência o método utilizado pela Antropologia na recolha de dados,
através do contacto efetuado entre o antropólogo e o grupo humano, objeto do
seu estudo.
A Cartofilia
é um poderoso auxiliar da Etnografia, pois os postais ilustrados registaram
para a perpetuidade, dados recolhidos num dado contexto geográfico, social e
temporal, relativos às caraterísticas de uma dada comunidade, rural ou urbana.
O seu
traje, a sua faina, os seus usos e costumes, as suas festas e romarias.
O registo
cartófilo, tanto pode ter por base o cliché dum fotógrafo com sensibilidade ou
pendor para as questões da identidade cultural regional, como as pinceladas
magistrais de pintores como Alberto de Sousa, Alfredo Moraes, Roque
Gameiro ou Leal da Câmara, que sentiram estética, plástica e
cromaticamente, o pulsar do Povo Português, o Povo que lava no rio, que apascenta
o gado na charneca ou na montanha, que cavalga na lezíria, que charrua a
terra-mãe ou que da rede lançada ao mar, recolhe o seu e o nosso pão nosso de
cada dia.
Sou por
natureza um apaixonado pelas magnas questões da identidade cultural popular,
nacional e regional.
Sou
cartófilo e filatelista desde que me reconheço como colecionador, aí pelos dez
anos de idade. Sou maximalista desde os anos oitenta e picos.
E é nessa múltipla
condição, aliada à circunstância de, qual fidalgo aprendiz, me sentir também
etnólogo amador, que numa atitude há muito pessoalmente assumida, procuro fazer
a síntese dialética do que me cerca e excita os sentidos e me faz vibrar a alma
e desperta em mim novos amores, que cultivo e fortaleço.
Tenho na
minha coleção cinco realizações maximófilas (Fig. 1 a Fig. 5) que são variantes
de suporte e nalguns casos de obliteração do postal máximo conhecido por “mulher do Caramulo".
Em todos
elas a obliteração é de CARAMULO, localidade onde é característico o traje regional
representado no selo.
Todas as
realizações toram conseguidas com o selo da taxa de $10, utilizada nos impressos
internos, da 2ª Emissão dos Costumes Portugueses.
Este selo,
que circulou de 1-3-1947 a 8-8-1950, foi heliografado na Curvoisier S.A. de la Chaux
de Fonds - Suíça e reproduz um desenho da autoria de Maria de Lourdes de
Melo e Castro, representando a mulher do Caramulo, envergando o seu traje
tradicional, cuja relação com a região é por demais evidente.
A Serra
do Caramulo (I) é uma região montanhosa de Portugal Continental, com
1076,57 metros de altitude, situada na região de transição da Beira Alta para a Beira Litoral, entre
os concelhos de Vouzela, Tondela, Anadia e Águeda.
De origem granítica
e xistosa, a sua flora é constituída predominantemente por urzes e carqueja.
Na região,
conhecida pela pureza do ar e das suas águas, ainda se podem encontrar vestígios
de povoação romana, como os trilhos de pedra.
De resto,
a serra é povoada por aldeias com casas e espigueiros em granito.
A geografia montanhosa e a dureza do clima, moldaram o modo de vida dos aldeões, que se dedicaram através dos tempos a uma agricultura de subsistência nos vales (centeio e milho) e a pastorícia (gado caprino e bovino) efetuada nas montanhas.
Inteiro postal. Reprodução de aguarela de Alberto Sousa, datada de 1937. |
Tradicionalmente,
a mulher do Caramulo protegia-se dos rigores da montanha (frio e chuva),
envergando uma capucha (i) de burel (ii) caseiro, tecida em la de ovelha, muitas
vezes pela própria utilizadora.
A capucha,
talhada em semicírculo, cobre a cabeça e cai livremente até à anca, envolvendo
o corpo e escondendo o vestuário, ao mesmo tempo que permite grande facilidade
de movimentos.
Na parte
superior, ou seja, na parte que apoia na cabeça tem um entalhe que lhe permite
ajustar-se melhor.
Pelo
avesso, a capucha tem uma barra recortada e pespontada com a finalidade de a reforçar.
Os
desenhos desta barra permitem identificar quem fez a capucha.
No
trabalho, durante a semana, a capucha era usada pelo avesso e, aos domingos, em
particular, para ir à missa, era usada pelo direito.
Para além
da sua função protetora em relação à agressividade do clima, a capucha era também
usada em contexto de trabalho.
Protegia a
cabeça no transporte de carga à cabeça, servia de saca para o transporte de
géneros, protegia a toalha da refeição estendida no chão e à noite servia de manto.
O traje
tradicional da mulher do Caramulo é ainda composto por uma saia comprida e
rodada e por um avental, confeccionados em burel (de Inverno) ou em riscado ou
chita (de Verão).
Vestia ainda
camisa de linho de cor natural, ou algodão.
No Verão,
além dum lenço de algodão, usava um chapéu de palha, de abas largas, para se
proteger do sol.
O calçado
era constituído por socos de couro, fechados, com sola de pau, protegendo ainda
os pés e pernas com meias de lã, tricotadas pela própria.”
In “O Traje tradicional da mulher do Caramulo”, Alberto Máximo, Correio de Além Tejo (texto editado)