Autenticidade na representação etnográfica: é urgente e precisa-se!

"Alguns amadores, discípulos do maestro Sarti, que entraram nos coros populares das festas realizadas nos teatros S. Carlos e Nacional."

"Ilustração Portuguesa", nº 279 - 1911

O Pe. Luís Morais Coutinho escreveu, no seu livro intitulado “Subsídios Históricos e Etnográficos do Alto Douro” (1995), a propósito das “Danças Etnográficas Durienses”, o seguinte:

«A dança etnográfica é vida. E vida sem gesto é maneta e perneta.

A Etnografia, em termos de dança, é traje, música, ritmo e gesto. (...)

A dança quando etnograficamente verdadeira é um palco de vida.

Gostaria de referir as belíssimas danças durienses com o bater dos pés a lembrar a “pousa” e a subida aos socalcos e com o gesto largo e balanceado do homem das redes e do rio. (...)

Ao falar da dança etnográfica alto-duriense devo dizer que ela não escapa à destruição que por aí campeia como praga ou epidemia.

Grupos que se atribuem de Ranchos Folclóricos e nós não vemos de onde é o folclore. O traje, a música, o ritmo e o gesto não dizem de onde são ou até dizem que não são.

Certos responsáveis chegam ao cúmulo de arranjarem letras e músicas de sua lavra. (...)

Dentro de alguns anos, os etnólogos vão ter tremendas dificuldades em separar o que é bom do que cheira mal...

Haja muito folclore, mas do verdadeiro! Que possamos ver no traje, na música, no ritmo e gesto a história do nosso povo! Que possamos ver as nossas raízes, afinal!»

Lembrei-me deste texto quando li um artigo de opinião escrito pelo Dr. Carlos Gomes, intitulado  «Existem Grupos de Folclore que "representam" o século XX quando afirmam representar o Folclore do final do século XIX».

Em determinado momento, o articulista afirma: « O traje adquiriu novas formas por vezes mais estilizadas e perderam o aspecto sóbrio que originalmente o caracterizava. 

Passou a incluir botões e outros acessórios de plástico de invenção recente e as saias tornaram-se mais curtas e rodadas de modo a permitir observar a intimidade das moças, algo que seria impensável nos finais do século XIX. 

Introduziram toda a sorte de fantasias no vestuário e, quase sempre, o calçado é de fabrico actual. 

O chapéu braguês cedeu o lugar ao chapéu à toureiro e as mulheres da Nazaré passaram a vestir mais saias do que as que antes usavam. 

Tempos houve que as mulheres usavam franjinha e cabelos curtos e os homens sapatos de verniz. 

As músicas nem sempre são as originais mas arranjos feitos ao gosto popular ao tempo do Estado Novo. 

E as coreografias frequentemente são inventadas quase ao jeito do teatro de revista. 

A tal ponto que a mulher algarvia outrora recatada passou da dançar o corridinho de forma assaz atrevida, engalfinhada no seu par

Ontem como hoje, felizmente, continua a haver pessoas preocupadas com a autenticidade da representação folclórica, para bem das raízes culturais do nosso povo, no respeito pelos nossos antepassados e pelas gerações vindouras.

Infelizmente somos poucos – embora cada vez mais - os que ainda pugnamos ser necessária essa autenticidade, mesmo que em prejuízo de um certo “espectáculo” para turista ver em alguma sala de um qualquer hotel, de Norte a Sul de Portugal.

Mas, como diz o provérbio: “Grão a grão, enche a galinha o papo.”

José Pinto

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